quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Vítima das circunstâncias

Eu morava na fazenda Merendá, das indústrias papel Simão, cuja mesma ficava quatro quilômetros de distância da cidade de Guararema.





De vez em quando eu ia passear em Guararema, 

às vezes pousava na casa de minha tia. O marido de minha tia tinha um sobrinho que residia em São José dos Campos.

Como ele era casado com minha tia, eu o tratava também de tio. Ele sempre me falava desse sobrinho. Dizia que estava com saudade dele. Que ele era um moço muito bom e educado. Eu estava curioso para conhecer essa pessoa tão amável conforme o meu tio falava. Até que um dia isso aconteceu. Era de fato, um elemento cheio de boa conversa. Muito atencioso meigo e gentil, pelos menos na aparência.

        Ficamos logo amigos e saímos dar uma volta na praça. Entramos num bar e começamos a tomar umas cervejas de leve e jogar bilhar. 

Como eu não era muito de beber, só beliscava. Percebi que o moço era bom de copo. Bebeu bastante! Misturou cachaça, conhaque e cerveja. Ficou alterado e arrumou uma briga por causa de uma coisa atoa. Tentei acalmá-lo, logo chamaram a polícia.



         A patrulha chegou, expliquei com calma todo o ocorrido, eles entenderam. Foram embora prometendo voltar se acaso alguma encrenca viesse acontecer.
         O meu tio era um homem de prestigio na cidade. Exercia uma profissão importante. Era chefe de estação da “ESTRADA DE FERRO CENTRAL DO BRASIL” 

Tinha um auxiliar que era vereador. Titio era muito bem quisto na cidade e compadre do comandante do batalhão de polícia

          Além do mais, era também muito amigo do delegado. Isso tudo facilitou para que não fôssemos presos. Porque naquele tempo, a polícia prendia por pouca coisa. Era a época da ditadura.
         Viemos embora. Eu fui para a minha casa. Ele foi para a casa do meu tio e dormiu lá, naquela noite.



          Esse fato tinha acontecido num dia de Domingo. Quando cheguei quinta feira na casa do meu tio, eles me contaram que um ladrão tinha entrado pelo o telhado e roubado somente as jóias. Objeto de grande porte não levou nada. Estranho era que o meu avô morava com eles, porém, dormia num quarto separado no outro lote.
         Esse sobrinho do meu tio, que segundo ele, era um moço muito bom e educado, estava dormindo no mesmo quarto que vovô dormia. E roubaram também o relógio do vovô que estava na cabeceira da cama, e roubaram o dinheiro da carteira que estava no paletó contendo uma boa quantia, que não me lembro quanto era. Levaram o dinheiro, mas a carteira deixou no mesmo lugar.



         Minha tia começou a contar a tragédia; o sobrinho do marido da minha tia chegou e, eu percebi que ele não estava gostando da conversa. Seu nome era José. Logo que chegou à cidade, recebeu a alcunha de Zé da bota.





        Insistiu para sairmos de novo. Algo me dizia que ele não era bom elemento conforme o meu tio dizia. Poderia até ser, enquanto morava em Guararema, mas depois que foi para São José dos Campos, convivendo com más companhias, teria se transformado. Enquanto eu pensava nessa hipótese, ele insistiu tanto em sair comigo, prometendo que não ia beber, que não ia mais arrumar encrenca, acabei por aceitar a sua companhia e fomos para o mesmo bar, jogar bilhar. Eu gostava muito de jogar e era bom de taco! Pra ganhar de mim, tinha que ser muito bom! O proprietário do bar era um sargento aposentado. Assim que nós entramos no estabelecimento, o Zé da bota entregou-lhe uma faca, tipo peixeira, para o mesmo guardar e falou: “Estão querendo me pegar, e eu preciso me defender! Eu sou sozinho e eles são quatro! Eu não posso contar com o Wilson, porque ele não é de briga”.



          Eu ainda retruquei, -- “não sou mesmo! Se você arrumar alguma encrenca, vai ter que virar sozinho”. Começamos a jogar e, ele não cumpriu com a promessa. Começou a beber, e eu percebendo que a coisa poderia engrossar, aconselhei-o a irmos embora.
Eu queria ir para a fazenda Merendá, onde eu morava. Ele insistia para que eu fosse dormir na casa de minha tia, alegando que havia bandido por ali, que era muito perigoso àquela hora da noite, pois já passava das 0,00h. De Guararema até a fazenda, o caminho era deserto. 
Era só eucalipto por todos os lados.





Chegamos à casa de minha tia, ele bateu palma acordando-a dizendo:- - “O Wilson está doido em querer ir embora uma hora dessas, sabendo que tem muito malfeitor por aí! Dá um pouso para ele que eu vou dormir na casa de minha mãe”. Um detalhe: Sua mãe era separada do marido, residia em Guararema no outro bairro que ficava aproximadamente um quilômetro de distância.
         Titia acordou meio sonolenta e abriu a porta. Percebi que ela estava com o saco cheio de tê-la acordado àquela hora.
 Como vovô temendo que o ladrão voltasse, já não estava dormindo mais no quarto separado. Estava dormindo com os garotos, meus primos. Titia me pôs para dormir nos pés do meu avô.
          Estava pegando no sono, quando escutei uma voz chamando aos gritos:- -- “tio Chiquinho, tio Chiquinho”. Minha tia abriu a porta e, para nossa surpresa, era ele, o tal de Zé da bota! Todo cortado de faca, ensangüentado, dizendo que quatro ladrões mascarados, roubaram o pouco dinheiro que tinha, e para judiá-lo, cortaram-o com a própria faca que ele carregava e levaram a faca também.



Meu tio estava com o saco cheio, levantou com uma cara tão feia que dava medo! Olhou e foi dormir imediatamente. Também, não era pra menos. Foi acordado primeira vez para me recolher. A Segunda vez, para receber o sobrinho! A minha tia percebeu que ele estava nervoso, não querendo contrariá-lo, pediu que eu fosse com o Zé à delegacia.
         —“Vá com ele até a delegacia e ajude no for preciso, porque ele está nervoso e pode não saber se explicar”! Eu para não contrariá-la, fui. Eu no fundo achava estranho tudo aquilo, enfim, seja lá o que Deus quiser!  Fui ao tanque da cozinha para lavar o rosto, minha prima entregou uma faca de cozinha e me falou: “Leva essa faca para você se defender se por acaso encontrar com algum malandro por aí”. Ninguém a viu dar a faca.
         Eu muito idiota e inocente, levei aquela merda na cintura por debaixo da camisa. Chegamos à delelegacia, um soldado, meu amigo, cujo nome, Luiz
 Guanabara nos atendeu mui prontamente. Fizemos a ocorrência e fomos para rua atrás de uma pista. Chegamos ao centro da cidade, o soldado parou e pediu para um sob delegado, chamava-se Djalma. Sob delegado naquela época era uma pessoa esforçada que, embora não polícia exercia o cargo, portanto ajudava os policiais voluntariamente. É claro que tinha que ser uma pessoa de boa índole para ter essa autorização. O Sr. Djalma seria de fato um bom policial se não fosse viciado na cachaça. Logo de cara percebeu que o rapaz mentia vergonhosamente. Fomos até o local aonde ele disse ser assaltado. Era um local enxuto, seco. E o Zé da bota estava com o rosto cheio de barro. Para nós ele havia dito que estava de férias. Para o Djalma, ele falou que tinha sido despedido da firma. Eu não podia abrir a boca porque estava entre a cruz e a espada. Fiquei calado para ver aonde ia parar aquilo tudo. De uma coisa eu tinha certeza: Quem não deve, não teme. Por um momento fiquei com medo porque tinha ouvido falar que quando a polícia pega um suspeito, o faz confessar o crime que não cometeu a poder de pancada. Mas logo a minha preocupação passou porque eu era conhecido na cidade, e não tinha passagem pela polícia.
         Só sei dizer que o tal de Djalma desconfiou logo que o rapaz estava caindo cada vez mais em contradição, e resolveu revistá-lo. É claro que ele não ia ser louco de ir armado numa delegacia sendo um bandido. Agora, um idiota, inocente, laranja como eu...
 E me revistou também. Quando encontrou a faca na minha cintura, quase que apanhei! Um homem deu um grito tão grande, que eu pensei que os meus tímpanos fossem estourar! Eu, tremendo de medo, era um jovem caipira da roça, sem nenhuma experiência de vida, com apenas 18 anos de idade, expliquei que aquela faca foi minha tia que havia me dado para nos defendermos. Mas o Sr. Djalma não aceitou o meu argumento. Eu remoia por dentro de tanto medo.
         O Djalma com o outro policial, ao invés de me levar até a casa da titia para esclarecer, ou levar a faca para que ela reconhecesse, achara mais fácil deixarem eu preso e fazer a averiguação temendo que a titia pudesse me proteger.



         Eles foram até a casa dela e perguntaram se de fato ela tinha me dado uma faca. Foi minha prima que tinha me dado a maldita arma, mas na hora eu fiquei nervoso e falei que foi a tia. Ela como não sabia de nada, disse que não. Eles foram até a casa do delegado e este veio furioso. Puxou a ficha do cara em São José dos Campos, encontrou um monte de sujeira. O moço tinha várias passagens na polícia por roubo.
O delegado examinou a faca e, muito experiente, percebeu que se tratava de uma faca de cozinha; que alguém mal intencionado, jamais iria usar uma faca daquela para assaltar alguém.
         Portanto, por medida de segurança, deixou-me atrás das grades junto com o mau elemento, deixou para no outro dia fazer a averiguação.
         Eu furioso, comecei a falar, mas o cara não queria nem saber. Virou para o canto e dormiu. Ele já estava acostumado a ser preso. Eu não preguei os olhos. Passei a noite em claro!
         No outro dia, lá pelas 9 h da manhã, escutei a voz do marido de minha tia que dizia ao delegado; ---- “O lourinho, doutor; boto o dedo no fogo por ele”! Deu para eu ouvir bem a conversa porque a delegacia ficava junto com a cadeia. “Ele não é meu sobrinho, é sobrinho de minha esposa, o moreno é que é meu sobrinho”. E continuou com o argumento; --“ Ele era um moço bom enquanto morava com a mãe, mas depois foi morar com o pai em São José dos Campos, talvez acompanhasse algum mau elemento e se transformou num bandido.”
         Fiquei alegre quando veio um policial com a chave na mão e me mandou que eu saísse.
         O delegado me pediu desculpa e o meu tio também. Titio me explicou que não veio naquela mesma noite me defender, porque estava muito resfriado. Fingi acreditar.
 Só sei que depois, o Zé da bota confessou que tinha roubado as jóias de minha tia e o relógio do meu avô também. Havia vendido para um receptador que não foi encontrado. Titia não recuperou as jóias, mas a promessa que fez para o São Longuinho, valeu!
         Ela fez uma promessa para São Longuinho, o único santo que existe na capela da Freguesia da Escada, bairro de Guararema. Segundo a lenda, quem perde algum objeto ou é roubado, é só fazer uma promessa para esse santo e dar três pulinhos, que o objeto perdido ou roubado aparece no prazo de três dias.


 
                Ela tinha feito a promessa dizendo que não importava com as jóias, mas só queria descobrir quem as roubou!
                                               Segundo drama
                Passado 15 dias aproximadamente daquele ocorrido, fui passear em Guararema novamente; fui assistir ao filme e saí na segunda sessão que terminava às 23h, já terminando de sair na cidade, numa rua deserta, quando o camburão da polícia pára e me dá voz de prisão. E sabe quem era o comandante?


 
Pasmem!O Sr. Djalma novamente. Tentei argumentar, mas ele não me deu atenção e ameaçou:- -- “Se você não calar a boca, vou te encher de bordoada!” Você é comparsa daquele bandido que roubou da própria tia! Eu chorava tremendo de medo e ele me dizia:- “Homem não chora, enfrenta outro de homem pra homem”. Empurrou-me com força para dentro do veículo. Lá estava um bêbado que me pediu um cigarro. No minha mão, que fez voar o maço de cigarros longe, e esbravejou:- “Ninguém vai fumar aqui porque pode derrubar fagulha de brasa e queimar o carro”! Chegando até o posto policial, ele meteu o bebum para dentro das grades junto com uma mendiga e me falou:-


 

“Você vai ficar em cadeia especial
porque é sobrinho do bom da boca.” Quando chegou perto de mim, senti um cheiro forte de cachaça que vinha de sua boca. Aí eu criei coragem e lembrei que outro tio meu, havia trabalhado de caseiro para um corregedor, o Dr. Meira Neto. Estufei o peito, talvez fosse Deus que me inspirou, e falei com muita convicção:
“O Senhor não tem prova de nada contra a minha pessoa. Foi provado que eu sou inocente e o próprio delegado elogiou a minha atitude. Pode me prender se tiver peito, mas se relar a mão em mim, eu vou amanhã mesmo falar com o Dr. Meira Neto que é amigo de meu tio”!


 
 Quando ele ouviu falar nesse nome, mudou de idéia.
         Mandou que eu fosse embora. No outro dia, falei com o meu tio, ele mandou que eu escrevesse uma carta para a prefeita, encaminhada pelo seu secretário que era vereador.
         Passado alguns dias, fui passear novamente em Guararema, ouvi o comentário que a carta foi lida no serviço de alto falante da praça. Quando o locutor terminou de ler, os estudantes ficaram aplaudindo uns 3 minutos sem parar! O idiota do Djalma quase perdeu o emprego por exercer uma profissão embora fosse importante para a população, porém estava embriagado e, cometia arbitrariedade freqüentemente, só que não havia encontrado um peitudo para denunciá-lo.
         Depois de muitos anos fui passear em Guararema, vi aquele velhinho sentado na praça e lembrei-me do que ele me fez. Como é difícil esquecer! Se eu fosse um João ninguém, não tivesse alguém por mim, ele ia me bater e muito sem eu ter cometido nenhuma infração. Eu, terminando essa crônica, imagino quantos inocentes caem nas mãos de policiais desse tipo.     
 





                                                        

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